Análise do Filme | "Tetris" (2023): Uma Partida de Alto Risco Além dos Blocos.


Tempo de leitura: 16 minutos.

Estamos no ano de 1988. A Cortina de Ferro continua a dividir o mundo, a Guerra Fria atinge seu ápice e um dos videogames mais emblemáticos de todos os tempos se encontra no epicentro de uma disputa jurídica e política tão caótica e intensa quanto uma tela de jogo no nível 29. Essa é a premissa surpreendente de *Tetris*, o filme de 2023 da Apple TV+ dirigido por Jon S. Baird. O filme se estabelece como um thriller corporativo repleto de humor, estilo e emoção, distando-se de uma biografia linear ou animação nostálgica. Ele utiliza a linguagem visual do Tetris para narrar sua surpreendente história verdadeira.

Sinopse | Mais que um Jogo.

A história segue Henk Rogers (Taron Egerton), um desenvolvedor de jogos holandês-americano que tem um sonho e um negócio prestes a falir.  Ao se deparar com o Tetris em uma feira de eletrônicos, ele enxerga não só um jogo envolvente, mas *o* jogo que irá estabelecer a próxima geração de hardware, particularmente o novo console portátil da Nintendo, o Game Boy.  Qual é o problema?  Os direitos de licenciamento se transformam em um labirinto kafkiano que envolve a estatal soviética ELORG, representada pelo burocrata Nikolai Belikov (Toby Jones), a empresa britânica Mirrorsoft, com seu executivo arrogante Robert Maxwell (Roger Allam) e seu filho playboy Kevin (Anthony Boyle), além do governo da União Soviética, com agentes da KGB vigiando de perto.

Desenvolve-se um thriller de espionagem de baixa tecnologia, em que contratos substituem armas e a burocracia se torna o campo de batalha.  Henk deve percorrer as ruas sombrias e paranoicas de Moscou, lidar com a desconfiança intrínseca do sistema soviético e competir contra seus rivais ocidentais, tudo para negociar com o criador do jogo, o amável e pressionado Alexey Pajitnov (Nikita Yefremov).

TETRIS | Trailer.

O Elenco | Uma Engrenagem Perfeita.

O êxito de um filme como *Tetris* depende quase que totalmente da habilidade do seu elenco em transmitir a tensão das reuniões de negócios e a complexidade das leis de direitos autorais de maneira dinâmica e envolvente. Felizmente, o filme acerta nesse ponto.

Taron Egerton como Henk Rogers: Egerton se estabelece neste ponto como um dos intérpretes mais carismáticos e versáteis de sua geração.  Sua atuação como Rogers é uma força motriz incontrolável.  Ele retrata de maneira precisa a obsessão visionária do empresário, sua obstinação quase irracional e sua autêntica convicção no produto.  Egerton emana uma energia inquieta e resoluta, seja correndo pelas ruas de Moscou, suando durante os interrogatórios ou utilizando todo o seu carisma para ganhar a confiança de Pajitnov.  Além disso, ele transmite uma humanidade essencial; podemos ver seu medo, sua exaustão e seu amor pela família, que é sua principal motivação.  Trata-se de uma performance repleta de camadas, ancorando o filme no aspecto emocional.

Nikita Yefremov como Alexey Pajitnov: Yefremov é a alma serena do filme.  Se Rogers representa fogo e ambição, Pajitnov é sinônimo de melancolia e genialidade contida.  Yefremov expressa uma profunda resignação em relação a um sistema que não o reconhece – o criador do maior jogo do mundo não recebe um centavo no início – porém, há também uma faísca de esperança e amizade que se fortalece com a determinação de Henk.  A conexão entre Yefremov e Egerton é tangível e tocante, constituindo a dupla inesperada no núcleo dessa narrativa.  Sua performance é discreta, porém impactante, principalmente nos momentos em que seu rosto expressa o dilema entre sua obrigação com o Estado e seu anseio de ver sua criação ser divulgada ao mundo.

Toby Jones como Nikolai BelikovJones é um ator que sempre entrega o melhor de si, e aqui ele está em sua melhor forma.  Belikov, como diretor da ELORG, representa a cautela burocrática soviética.  Jones consegue transformar um personagem que poderia ser um empecilho unidimensional em uma figura complexa e cativante.  Seus olhos perspicazes, ocultos atrás dos óculos de aro grosso, captam tudo ao redor.  Ele é perspicaz, inteligente e, por dentro, um tanto quanto cansado do sistema em que vive.  Jones exibe a sutileza de um homem que joga o jogo como ninguém, mas que ainda preserva um resquício de integridade.  Suas cenas de negociação são exemplos perfeitos nas aulas de atuação reativa.

Roger Allam e Anthony Boyle como Robert e Kevin Maxwell: Allam é maravilhosamente odioso no papel do magnata da mídia Robert Maxwell, um homem que emprega seu poder e influência para intimidar e controlar.  Trata-se de uma performance imponente e marcante, ideal para o antagonista corporativo.  Por outro lado, Anthony Boyle se destaca como Kevin, o filho que tenta sem sucesso conquistar a aprovação do pai e se desvincular de sua influência.  Boyle transmite uma mistura de pateticidade e arrogância juvenil, porém também revela uma vulnerabilidade que transforma seu personagem em algo além de um simples antagonista.

Menções Honrosas.

O filme também apresenta uma excelente atuação de Ken Yamamura como um intérprete/tradutor que tem seu próprio momento de destaque, além de Oleg Shtefanko como um agente da KGB que surpreende, adicionando camadas adicionais de tensão e humor.

A Genialidade dos Efeitos Visuais e Transições.

É nesse ponto que a fotografia se torna realmente lúdica e temática.  Küchler emprega transições inventivas que replicam os movimentos dos blocos de Tetris, conhecidos como tetrominos.  Personagens aparecem deslizando como um bloco "I", janelas de carros se fecham como peças se encaixando, e até a paisagem urbana de Moscou, vista de cima, lembra uma tabuleiro de jogo.  Esses momentos não são meros truques; eles servem para lembrar o espectador de que toda essa confusão geopolítica está acontecendo por causa de um jogo de quebra-cabeça.  Trata-se de uma camada narrativa visual que combina forma e conteúdo de forma totalmente singular.

Veredito Final | Game Over ou High Score?

Tetris* de 2023 é uma vitória inesperada. Trata-se de um filme que tinha potencial para se tornar uma dramalhance corporativa monótona ou uma homenagem nostálgica rasa. Ao contrário, Jon S. Baird apresentou um thriller eletrizante, inteligente e emocionalmente impactante, que utiliza sua premissa aparentemente estranha como um motor propulsor.

O roteiro é perspicaz, repleto de diálogos inteligentes e reviravoltas que, embora possam parecer absurdas, são fundamentadas em acontecimentos reais. A direção mantém um ritmo constante, sendo enérgica e criativa. No entanto, são as performances, comandadas por um carismático Taron Egerton e um tocante Nikita Yefremov, que trazem vida à narrativa. E a fotografia pioneira de Alwin H. Küchler merece todos os aplausos, fazendo com que a estética do filme seja uma extensão direta de seu tema principal.

Em suma, Tetris vai além de apenas contar a história da licenciamento de um jogo. Trata-se de uma narrativa que aborda a amizade que transcende as barreiras ideológicas, a batalha do criador pelo reconhecimento de sua obra e a força de uma ideia simples, porém brilhante, para unir um mundo fragmentado. Trata-se de um filme que merece um alto e claro "High Score!".


Obrigado por acessar e ler a matéria.
Até a próxima se Deus quiser!!!

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